vias biliares

Patologia de pâncreas e vias biliares
PÂNCREAS
Pâncreas exócrino: ácinos responsáveis pela produção de enzimas digestivas. Ductos responsáveis pelo
transporte até o duodeno (grânulos de zimogênio).
Mecanismo de proteção à autodigestão:
1. A maioria das enzimas pancreáticas é sintetizada como proenzimas inativas.
2. Limitadas aos grânulos de zimogênio por membrana.
3. Ativação depende da conversão do tripsinogênio em tripsina por enzimas duodenais.
4. Células acinares secretam inibidores da tripsina.
5. Autorregulação da tripsina.
6. Dependem do pH ácido (no ducto é básico).
7. Degradação dos grânulos pelos lisossomas.
8. Epitélio dos ácinos é resistente a enzimas ativadas.
Patologia de pâncreas: fibrose cística, anomalias congênitas, pancreatite aguda e crônica, neoplasias.
1. Anomalias congênitas:
❖Agenesia de pâncreas: rara, condição associada a outras malformações graves que são geralmente
incompatíveis com a vida.
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❖Pâncreas divisum (3-10%): anomalia causada por uma falha na fusão dos sistemas ductais fetais dos
primórdios pancreáticos dorsal e ventral.
❖Outras anomalias: pâncreas anular (cabeça engloba duodeno), pâncreas ectópico (em estômago,
duodeno, jejuno, divertículo de Meckel, íleo), cistos congênitos (desenvolvimento ductal anômalo).
2. Pancreatite aguda: lesão reversível de características inflamatórias e gravidade extremamente variável.
Inflamação do pâncreas associada a uma disfunção em seu parênquima exócrino. Presença de edema local e
necrose gordurosa, necrose parenquimatosa e hemorragia.
❖Etiologia: história de alcoolismo e/ou cálculos biliares está presente em 80% dos casos. A proporção de
homem para mulher é de 1:3 no grupo com doencas das vias biliares, e de 6:1 nos casos de alcoolismo.
- Metabólica: alcoolismo, hiperlipoproteinemia, hipercalcemia, drogas.
- Genética: mutações genéticas no tripsinogênio catiônico (PRSS) e nos inibidores de tripsina
(SPINK1).
- Mecânica: cálculos, trauma, lesão iatrogênica.
- Vascular: choque, ateroembolismo, poliarterite nodosa.
- Infecciosa: caxumba, vírus Coxsackie, Mycoplasma pneumoniae.
❖Morfologia: varia desde uma trivial inflamação e edema a uma grave e extensa necrose com
hemorragia.
❖Vazamento microvascular causando edema, necrose de gordura por lipase (ácidos graxos se ligam ao
cálcio, formando depósitos – necrose em pingo de vela), reação inflamatória aguda, destruição
proteolítica do parênquima pancreático (pancreatite necrosante aguda), destruição de vasos e
subsequente hemorragia intersticial (pancreatite hemorrágica).
❖Pancreatite necrosante aguda: tecidos acinares e ductais e ilhotas de Langerhans se encontram
necróticos. Lesões vasculares provocam hemorragia no parênquima. Macroscopicamente, o tecido
pancreático apresenta áreas hemorrágicas em vermelho e preto, intercaladas com focos brancoamarelados
provindos de necrose gordurosa calcificada. Na sua forma mais grave, a pancreatite
hemorrágica, uma extensa necrose parenquimatosa é acompanhada por uma hemorragia abundante
dentro da glândula pancreática.
❖Patogenia: autodigestão da substância pancreática por enzimas pancreáticas inapropriadamente
ativadas (ativação de tripsina [evento desencadeante clínico], ativação das cininas e sistema de
coagulação).
❖Vias de ativação enzimática:
- Obstrução ductal (uma das principais): cálculo, barro biliar, compressão extrínseca -> aumento da
pressão intraductal -> acúmulo de líquido no interstício rico em enzimas),
- Lesão primária das células acinares: isquemia, vírus, drogas, trauma.
- Transporte defeituoso intracelular de proenzimas: possível efeito do álcool.
❖Clínica: dor abdominal (caracteristicamente constante e intensa, sendo muitas vezes referida na parte
superior das costas e ocasionalmente, pode estar associada a uma dor no ombro esquerdo). Sintomas
como anorexia, náuseas e vômitos frequentemente podem acompanhar a dor. Elevação de amilase e
lipase. Possível quadro de abdome agudo (emergência – risco de permeabilidade vascular aumentada,
coagulação intravascular disseminada, síndrome da angústia respiratória aguda e choque).
❖Complicações: infecções, abscessos pancreáticos, pseudocistos pancreáticos (75% de todos os cistos
de pâncreas).
- Em cerca de 40% a 60% dos pacientes com pancreatite aguda necrosante, o debris necrótico tornase
infectado, geralmente por organismos Gram-negativos do trato digestório.
❖Abordagem: NPO, analgésicos e fluidos intravenosos. SARA e insuficiência renal também são
complicações graves (intervenção imediata).
3. Pancreatite crônica: inflamação e fibrose de longa duração que levam à destruição do pâncreas exócrino,
com comprometimento irreversível da função. Acomete 0,04 a 5% da população, sendo a causa mais comum
o abuso de álcool. Mais comum em homens de meia idade. 40% não tem um fator predisponente.
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❖Outras causas: obstrução de ducto de longa duração (pseudocisto, cálculo, neoplasia, malformação),
pancreatite hereditária (mutação do gene que codifica o inibidor da tripsina), pancreatite associada à
mutação do gene CFTR (fibrose cística – ocorre a diminuição da secreção de bicarbonato).
❖Patogenia (hipóteses): quase todos os indivíduos com repetidos episódios de pancreatite aguda
acabam desenvolvendo porteriormente a pancreatite crônica. Efeito de obstrução ductal por concreções
(aumento de proteínas das secreções), efeito tóxico ou metabólico, estresse oxidativo, necrose -> fibrose
(evolução de infecções agudas).
❖Morfologia: fibrose parenquimatosa, diminuição do tamanho e número dos ácinos, infiltrado inflamatório
crônico ao redor de ductos e lóbulos remanescentes, dilatação ductular.
- A destruição acinar é uma característica constante. Macroscopicamente, a glândula é rígida, por
vezes com ductos extremamente dilatados e visíveis concreções calcificadas.
❖Características clínicas: surtos repetidos de dor abdominal, icterícia, febre, elevação da amilase. Na
presença de cálculo, icterícia e elevação de fosfatase alcalina. Pode ser inteiramente silenciosa até que
se desenvolva insuficiência pancreática. Ataques podem ser precipitados por abuso de álcool,
alimentação exagerada ou opiáceos (aumentam tônus do esfíncter de Oddi). Exames de imagem ajudam
(calcificação na TC ou US). A perda de peso e o edema hipoalbuminênico de má absorção causado por
insuficiência pancreática exócrina podem também apontar para a doença.
- Mortalidade de 50% em 20 a 25 anos. Risco elevado de carcinoma nas formas hereditárias.
Formação de pseudo-cistos em10% dos casos.
4. Neoplasias: adenocarcinoma ductal, neoplasias serosas císticas, neoplasias mucinosas císticas,
carcinoma de células acinares, pancreatoblastoma, neoplasia psudo-papilar sólida, tumores mesenquimais,
linfoma e neoplasia secundária.
A) Neoplasias císticas do pâncreas: 5 a 15% dos cistos pancreáticos são neoplásicos.
❖Cistoadenoma seroso (1/4): cistos formados por pequenas células cuboides circundando pequenos
cistos, ricas em glicogênio, que contêm um líquido aquoso de cor clara. Pode se apresentar como uma
massa abdominal palpável. Tumor benigno, sendo a ressecção cirúrgica eficaz na grande maioria dos
pacientes. 2M:1H, sendo mais comum na sétima década.
❖Tumores mucinosos: em corpo e cauda do pâncreas. Os cistos são maiores do que os formados nos
cistadenomas serosos, sendo preenchidos com mucina espessa e tenaz. São revestidos por um epitélio
colunar produtor de mucina, e podem estar associados a carcinomas invasivos. A melhor maneira de
diferenciar a forma inteiramente benigna (cistoadenoma mucinoso) da forma maligna (adenocarcinoma
invasivo associado à neoplasia cística mucinosa) é através da avaliação patológica após remoção
cirúrgica completa, normalmente por pancreatectomia distal. Em mulheres, podendo ser um tumor
benigno, borderline ou maligno.
❖Tumor papilífero intraductal: em homens, acomentendo cabeça do pâncreas. Tumor originado dos
ductos principais.
B) Carcinoma pancreático: quarta principal causa de morte por câncer nos EUA. Acomete
preferencialmente pacientes de 60 a 80 anos. A principal influência ambiental é o tabagismo, sendo DM e
pancreatite outros fatores de risco associados.
❖Aproximadamente 60% dos cânceres de pâncreas surgem na cabeça da glândula, 15% no corpo e 5%
na cauda, sendo que em 20% dos casos a neoplasia envolve difusamente toda a glândula.
❖Os carcinomas do pâncreas são geralmente rígidos, branco-acinzentados, estrelados e com massas mal
definidas. O adenocarcinoma é o tipo histológico mais comum. Sobrevida em cinco anos de menos de
5%.
❖Mutações herdadas e adquiridas em genes associados ao câncer (k-Ras, p16 - gene supressor tumoral
mais comumente mutado; SMAD4; p53). Capacidade elevada de infiltração.
❖Aspectos clínicos: carcinomas do pâncreas permanecem silentes até a invasão das estruturas
adjacentes. A dor é normalmente o primeiro sintoma, porém quando aparece esses cânceres já se
apresentam como incuráveis. Icterícia obstrutiva, perda de peso, anorexia, fraqueza e a sensação de
mal-estar generalizado tendem a ser sinais da doença avançada.
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VIAS BILIARES E VESÍCULA BILIAR
Patologia de vesícula biliar: colelitíase, colecistite aguda, colecistite crônica, carcinoma de vesícula biliar.
Patologia de vias biliares: coledocolitíase e colangite, cirrose biliar secundária, atresia biliar,
colangiocarcinoma.
1. Colelitíase: 10 a 40% da população adulta. Cálculos podem ser de colesterol (cristais de colesterol
monoidratados) ou compostos (sais de cálcio e bilirrubina - pigmentados).
❖Patogenia: a bile é uma via de excreção importante do colesterol. O colesterol se torna solúvel quando
agregado a sais biliares e lectina. Quando a quantidade de colesterol excede a capacidade de
solubilização, há a formação de cristais sólidos.
- Supersaturação da bile com colesterol, sítios de nucleação por microprecipitados de sais de cálcio.
- Hipomotilidade da vesícula biliar (estase) e hipersecreção de muco, aprisionando os cristais.
- Bilirrubina não conjugada na via biliar predispõe a formação de cálculos compostos (bilirrubinato de
cálcio).
❖Morfologia: os cálculos de colesterol surgem exclusivamente na vesícula biliar e são compostos por
colesterol, variando de 100% puro até aproximadamente 50%. Os cálculos de colesterol puro são
amarelos claros, redondos e ovoides, e apresentam uma superfície externa dura e finamente granular.
Com proporções crescentes de carbonato de cálcio, fosfatos e bilirrubina, os cálculos exibem alteração
na cor e podem ser lamelados e branco-acinzentados. Mais frequentemente múltiplos cálculos estão
presentes, variando em tamanho até vários centímetros de diâmetro. Raramente, existe um cálculo único
e muito maior, que pode preencher virtualmente o fundo da vesícula.
❖Fatores de risco:
- Cálculos de colesterol: sexo feminino, idade avançada, fatores étnicos e geográficos, hormônios
sexuais femininos, ACO, gravidez, obesidade, redução rápida do peso, estase de bile, distúrbios do
metabolismo dos sais biliares, síndrome com hiperlipidemia.
- Cálculos de pigmento: mais em asiáticos, síndromes hemolíticas crônicas, infecção biliar,
distúrbios gastrointestinais (doença de Crohn, fibrose cística, doença ileal).
❖Características clínicas: 70 - 80% assintomáticos. Dor intensa espasmódica por obstrução de vias
biliares ou pela passagem de um cálculo na árvore biliar.
❖Complicações: inflamação, empiema, perfuração, fístula, colangite, colestase obstrutiva, pancreatite.
2. Colecistite: crônica, aguda ou crônica agudizada (quase sempre associada à colelitíase).
A) Colecistite aguda:
❖Colecistite calculosa: obstrução do colo da vesícula ou do ducto cístico. É a complicação mais comum
dos cálculos, e causa de colecistite de emergência. Irritação química da parede (ação tóxica da
lisolectinina, que é hidrolisada pelas fosfolipases -> rompimento da camada lipoproteica da mucosa
protetora, prostaglandinas e infecção bacteriana secundária).
❖Colecistite acalculosa: 5-12%. Estado pós-operatório de cirurgia de grande porte, traumatismo grave,
queimadura grave, sepse, DM.
❖Morfologia: vesícula aumentada, edemaciada, hemorrágica, com parede espessada e com fibrina.
❖Características clínicas: de pouco sintomas até dor constante intensa no abdome superior, que pode
irradiar para o braço direito. Cólica quando há um cálculo obstruindo. Febre, leucocitose, prostração.
Hiperbilirrubinemia conjugada quando há obstrução do colédoco.
B) Colecistite crônica: sequela de crises agudas. Na maioria das vezes, não há história de ataque agudo.
Supersaturação da bile predispõe a inflamação crônica e a formação de cálculos.
❖Morfologia: as alterações são variáveis e podem ser mínimas. Vesícula diminuída de tamanho ou
aumentada, com fibrose e atrofia da mucosa. Infiltrado inflamatório crônico.
❖Características clínicas: crises recorrentes de dor constante ou em cólica na região epigástrica e
hipocôndrio direito, náuseas, vômitos e intolerância a alimentos gordurosos.
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❖Diagnóstico da colecistite: ecografia – cálculos biliares,
espessamento da parede, dilatação das vias biliares.
❖Complicações: superinfecção bacteriana, colangite, sepse, ruptura
da vesícula biliar com peritonite, perfuração e formação de abscesso
local, fístula entérico-biliar (drenagem de bile para o órgão; entrada
de ar e bactérias na via biliar; obstrução intestinal por cálculos).
Possível agravamento de doença clínica pré-existente
(descompensação cardíaca, pulmonar, renal ou hepática).
3. Coledocolitíase: cálculo no interior da via biliar. 10% sintomáticos. Os
sintomas ocorrem por obstrução biliar, pancreatite, colangite, abscesso
hepático, doença hepática crônica ou colangite aguda calculosa.
4. Colangite: inflamação aguda da parede dos ductos biliares por infecção geralmente bacteriana. Resulta da
obstrução do ducto (coledocolitíase, reconstrução cirúrgica, tumor, cateter de demora, pancreatite aguda,
colangiografia).
❖Patogênese: infecção ascendente pelo esfíncter de Oddi, por bactérias (E. coli, Klebsiella, Clostridium,
Bacterioides, Enterobacter e estreptococos) ou parasitas (fascíola hepática, esquistossomose,
criptosporidiose [em HIV-positivo]).
❖Manifestações clínicas: febre, calafrios, dor abdominal, icterícia, colangite purulenta (risco de abscesso
hepático e sepse).
5. Cirrose biliar secundária: obstrução prolongada da árvore biliar extra-hepática. A causa mais comum é
coledocolitíase. Também pode ocorrer por atresia, tumores malignos das vias primárias ou estenose por
procedimento prévio.
❖Morfologia: fibrogênese periportal, inflamação crônica (formação de nódulos). A colangite pode ocorrer
simultaneamente e agravar o quadro.
6. Atresia biliar: colestase neonatal. Obstrução total do fluxo biliar causada pela ausência ou destruição dos
ductos extra-hepáticos. Estreitamento fibrosante e inflamação dos ductos intra-hepáticos, com destruição da
árvore biliar intra-hepática. Fibrose e cirrose de 3 a 6 meses após o nascimento.
7. Neoplasias:
A) Carcinoma de vesícula biliar: tumor maligno mais frequente das vias biliares. Ocorre na sétima década,
sendo mais comum em mulheres. Comum no México e no Chile. Sobrevida em 5 anos de 5%. Cálculos
biliares em 60 a 90% dos casos, com trauma e inflamação recorrente.
❖Morfologia: adenocarcinoma de padrão exofítico ou infiltrativo.
❖Clínica: sintomas semelhantes aos da colelitíase – dor abdominal, anorexia, icterícia, náuseas e
vômitos.
B) Colangiocarcinoma: adenocarcinoma com diferenciação biliar, originado nos ductos intra e extrahepáticos
(2/3 dos casos nos ductos extra-hepáticos). Denominado tumor de Klatskin quando originado no
hilo hepático. Ocorrência aumentada entre 50-70 anos, sendo a maioria irressecável.
❖Fatores de risco: colangite esclerosante primária, doença fibrocística da árvore biliar (contraste).
❖Morfologia: adenocarcinoma com desmoplasia – pequeno tamanho, com comprometimento de
linfonodos regionais, pulmões, osso e glândula supra-renal.
❖Clínica: obstrução (icterícia, fezes claras), náuseas, vômitos, perda de peso e fosfatase alcalina elevada.
❖Estadiamento:
- T1 – limitado à camada mucosa ou muscular / T2 – invadindo tecido periductal / T3 – invadindo
estruturas adjacentes.
- N0 – sem envolvimento ganglionar / N1 – acometimento de linfonodos regionais.
- Estádio I = T1N0M0 / Estádio II= T2N0M0 / Estádio III = T1-2,N1M0 / Estádio IVA = T3, N0-1, M0 /
Estádio IVB = TxNxM1.
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